Um olha de ficção científica para O som do rugido da onça

NOTA

O ensaio a seguir foi escrito para uma avaliação de uma disciplina de um curso de Letras na UFMG e trouxe uma comparação entre o livro O Som do Rugido da Onça, de Micheliny Verunschk, com outros textos de ficção científica.

INTRODUÇÃO

A literatura contemporânea brasileira é capaz de resgatar vozes historicamente silenciadas, principalmente quando se fala sobre indígenas e as consequências da colonização. 

Nesse contexto, O Som do Rugido da Onça, de Micheliny Verunschk, consegue transmitir histórias que podem ter acontecido no século XIX ou antes disso, como o sequestro de duas crianças indígenas para a Europa dentro da obra. 

Ao escolher essa temática colonial, a narração é capaz de propor reflexões acerca do colonialismo, memória dos antepassados brasileiros e a identidade, que é uma tema explorado por outras obras da literatura brasileira e internacional.

Este ensaio vai juntar paralelos entre O Som do Rugido da Onça e outras obras com pensamentos similares, como: 

  • Iracema, de José de Alencar; 
  • Oryx e Crake, de Margaret Atwood; 
  • Biopunk Dystopias: Genetic Engineering, Society and Science Fiction, de Lars Schmeink;
  • Eu, Robô, de Isaac Asimov; 
  • Aurora Ascende, de Amie Kaufman e Jay Kristoff; e 
  • Jogos Vorazes, de Suzanne Collins. 
 

SILÊNCIO HISTÓRICO

O Som do Rugido da Onça faz uso de diferentes perspectivas para reconstruir a história das crianças indígenas levadas à Europa.

Essa técnica ou escolha remete a Iracema, de Alencar, onde vai retratar também o encontro entre culturas distintas, mas, obviamente, com uma abordagem romântica que vai idealizar a figura indígena.

Ao contrário da obra de Alencar, a história das crianças vai desconstruir essa idealização ao mostrar as consequências reais da colonização e a violência pela busca de civilizar povos diferentes dos europeus.

Uma relação semelhante de identidade e controle também pode ser encontrada em Jogos Vorazes, onde o domínio sobre as diferentes regiões do mundo da obra reflete uma forma de apagamento cultural e manipulação da história, similar ao que ocorreu na exploração colonial das populações indígenas, mas em uma história de ficção científica. 

Aurora Ascende expande esse conceito de identidade ao retratar um universo onde seres humanos e alienígenas têm suas identidades questionadas e moldadas por forças dominantes. Aqui há o impacto da colonização interplanetária como metáfora do colonialismo terrestre que pode ser encontrado em muitos países do continente americano.

 

HIBRIDISMO

Um processo que pode acontecer também entre culturas dominantes e subalternas é uma forma híbrida, porém conflitante.

Por exemplo, em O Som do Rugido da Onça, a identidade das crianças sequestradas se torna um espaço possível de encontro entre o mundo indígena e o europeu, o que pode levar a um processo onde elas não sabem onde se encaixar, que resulta na perda de referência identitária que pertenciam.

A relação de domínio cultural e dúvidas sobre a identidade própria também pode ser explorada em Oryx e Crake, de Margaret Atwood, e em Biopunk Dystopias: Genetic Engineering, Society and Science Fiction, de Lars Schmeink.

Assim como a ciência na distopia de Atwood serve como ferramenta de controle e manipulação, no contexto de O Som do Rugido da Onça, a exploração antropológica e a coleta de corpos e, de certa forma, dados indígenas funcionam como um meio de domínio científico e cultural. 

Schmeink argumenta na sua obra diversas vezes que a manipulação genética na ficção biopunk reflete ansiedades sociais sobre controle e identidade, principalmente quando se analisa a saga Oryx e Crake dentro da obra. Um paralelo que pode ser traçado com a tentativa colonial de reconfigurar as identidades indígenas.

Essa mesma discussão aparece em Eu, Robô, uma história de contos interligados que Asimov explora por meio da sua narrativa os limites da identidade e da autonomia sob um sistema regido por diretrizes inflexíveis, no caso as inteligências artificiais. 

A obra levanta questões sobre até que ponto um ser pode manter sua individualidade quando submetido a regras impostas por uma estrutura dominante. Neste sentido, Eu, Robô consegue ecoar o destino dos povos indígenas submetidos às normas coloniais.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este ensaio trouxe uma análise de O Som do Rugido da Onça sob a luz de outras narrativas e teorias pós-coloniais que, apesar de olharem para o futuro ao descrever distopias e histórias de ficção científica, podem abrir um espaço de resgate histórico e de questionamento sobre estruturas de poder.

Ao abrir uma linha de raciocínio com o futuro, a obra de Verunschk dialoga com textos como Iracema, Oryx e Crake, Biopunk Dystopias, Eu, Robô, Aurora Ascende e Jogos Vorazes.

Com essa mistura, é possível também ampliar a discussão sobre memória, identidade e resistência dos povos indígenas frente ao colonialismo e levar essa discussão para diversos contextos que podem surgir no futuro.

Assim, a literatura reafirma sua importância na construção de narrativas que possibilitam reflexões. Também valoriza histórias que, por muito tempo, foram silenciadas, principalmente ao que se tange ao colonialismo.

 

REFERÊNCIAS

ALENCAR, José De. Iracema. [S. l.]: PanaPaná, 2017. 178 p. ISBN 8568082017. Disponível em: https://a.co/d/exDEIlA. Acesso em: 31 jan. 2025.

ASIMOV, Isaac. Eu, Robô. [S. l.]: Editora Aleph, 2014. 320 p. ISBN 8576575027. Disponível em: https://a.co/d/8M0M43A. Acesso em: 31 jan. 2025.

ATWOOD, Margaret. Oryx e Crake. [S. l.]: Rocco, 2018. 352 p. ISBN 853253113X. Disponível em: https://a.co/d/1a9ZoDH. Acesso em: 31 jan. 2025.

COLLINS, Suzanne. Jogos vorazes. [S. l.]: Rocco Digital, 2012. 393 p. ISBN B00A3D1OYU. Disponível em: https://a.co/d/0Tml6wd. Acesso em: 31 jan. 2025.

KAUFMAN, Amie; KRISTOFF, Jay. Aurora ascende. [S. l.]: Rocco, 2021. 368 p. ISBN 6555321032. Disponível em: https://a.co/d/goUjrak. Acesso em: 31 jan. 2025.

SCHMEINK, Lars. Biopunk Dystopias: Genetic Engineering, Society and Science Fiction. [S. l.]: Liverpool University Press, 2016. 279 p. ISBN 1781383766. Disponível em: https://a.co/d/78ZafWO. Acesso em: 31 jan. 2025.

VERUNSCHK, Micheliny. O som do rugido da onça. [S. l.]: Companhia das Letras, 2021. 168 p. ISBN 6559210219. Disponível em: https://a.co/d/6c13hXB. Acesso em: 31 jan. 2025.

Saiba de novidades

Copyright© Excamosh.com®. Todos os direitos reservados

plugins premium WordPress