Semente

Uma terra, fértil como o ambiente em sua volta, caiu sobre ela. Aquela foi a primeira vez que a pequena semente presenciou uma refeição tão doce e nutritiva.

Mal sabia onde estava. 

A única lembrança, antes de sentir a mãe natureza a acolhendo, foi a de ter caído da parte traseira de uma bela ave preta e branca.

Nhac! Nhac! — Criaturas maiores do que ela passavam em sua volta, deixando restos de matéria orgânica para seu deleite.

Talvez fosse um ato de piedade, pois não conseguia se mover.

De bom grado, aceitou a oferta dos seres descascados. O alimento estava ao seu alcance, mas não fazia ideia de como pegá-lo.

Educada em entregar sua dúvida, esfregou espinhos enfezados nos esguios. Eles a ensinaram a enrolar seus empregados para experimentar o petisco.

Grata pela ajuda da família Oligoqueta, entregou-a uma cara animada. Apreciava a comida da maneira aprendida: “Estica, agarra, pega, traga, aproveita”.

Um bucho feliz, uma fome triste. Começou a sentir uma dor na barriga, parecia estar sendo alva de cupins escavando de dentro para fora.

Ugh! — Ela evacuou o destino final de seu alimento, deixando um longo rastro verde saído do seu ventre. Era tão forte que foi capaz de atravessar proteções da Terra.

Era um dos processos de crescimento, em alguns dias, estaria maior do que as mudinhas vizinhas.

Crescem rápido as suas mãozinhas elásticas e finas. Soterrada, estava, porém sentia-se confortável com penas de galinhas, deixadas pelo tempo, abraçando-a.

Decidiu ver o céu de onde caiu. “Ô Senhor, deixa eu sair dessa terra” foi o que pensou. Suas raízes a empurraram para cima e sentiu uma gota d’água em seus pequenos espinhos.

Despediu-se de suas amigas abaixo dela, deixando uma vastidão de laços para trás. Novos cursos deveriam ser explorados.

Céu, queda, solo, afundar, foram os eventos que a marcaram em seu curto período de vida. Apesar de não ter muita experiência como uma banzai, viu muitas coisas interessantes.

Vuum! — O seu amigo já conhecido, veio mais forte como nunca.

Junto do vento, uma tempestade se aproximava. A mãe natureza não teria piedade de uma mudinha pequena, somente as de tronco forte sobreviveriam ao desastre eminente.

Apesar de ter crescido, ainda continuava frágil. Para sua sorte, ao seu redor, estavam flores e duas árvores que a auxiliariam.

Arrancando uma pétala, uma rosa escreveu dicas para sobrevivência. Seria útil, se pudesse ler. Começou a chorar, com suas lágrimas, vieram uma folha para enxugá-las.

— Vring Vrong Vring. — Não entendia aquele idioma da árvore maior, mas pressupôs ser algo como vou te proteger.

Aquele lindo senhor laranjeira sugaria todos os nutrientes do solo para dar à amiguinha. Sempre foi útil aos seus companheiros, protegendo-os de trovões e pragas indesejadas.

— Vrang Vrang Vrang. — A árvore menor, uma macieira, também ofereceu seu galho amigo.

Os dois seres gigantes e magníficos em sua visão, acolheram-na como uma figueira vizinha fazia com tucanos e periquitos.

Em uma tempestade que estava arrancando até os cacos de uma sequoia gigante, a semente indefesa não estava sendo atingida pelos trovões e muito menos pela chuva.

Olhou as figuras inspiradoras e deu um largo pólen de alegria. Deu um nome aquela dupla formidável: Papau e Mamão.

Papau tomava choques por ela e sua querida Mamão a secava com seus galhos cobertos de folhas de macieira.

— Vravau, Vravão, Vrango Vogês — falou a semente.

Ali se formou um verdadeiro arvoredo que ficaria mais próximo com o passar do vento, da chuva, do sol e da lua.

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Sementinha, passou a ser uma mudinha, e agora; uma linda árvore com frutos maduros.

Chegou a fase mais difícil de sua vida. Seu corpo era doce em algumas épocas e azedo em outras, amargo e adocicado em algumas, verde e amarelo nas demais.

Espinhos enchiam seu caule, eram úteis no seu caso, porém a deixava indesejada para pássaros e futuras borboletas.

Recebia reclamações do tipo: “Você é feia, espinhosa, não rende frutos bons”. Aqueles xingamentos enchiam seu tronco de pesadas poluições, dificultando sua fotossíntese.

Tinha saudades de sua época de mudinha, não precisava ouvir besteiras de lagartas e bem-te-vis em suas folhas.

— Vrangui-ve, vinha viga. — Papau aconselhou em respirar mais lentamente e fazer uma meditação.

— Va veven vegen veu vavo. — Ela estava aborrecida com aqueles seres, cruzando os galhos e se retraindo para o canto do jardim.

Dias se passaram e sacudindo de um lado ao outro, um de seus frutos caiu. As suas amigas de jardim de infância vieram para puxar assunto.

Foi uma sensação agradável tal qual um mel de abelha que certa vez chupou com suas raízes.

Algumas de suas companheiras estavam até com parceiros ao lado. Todos os machos eram de uma terra vizinha.

Ela soltou mais algumas frutas para as amigas e foi recompensada com uma notícia muito boa — a membra mais velha da família Oligoqueta irá se casar em breve e precisava de alguém para fazer sucos, chamando-a como convidada.

Suas flores se arrepiaram com o convite, porém não conseguiria adocicar seus frutos a tempo. Não queria aborrecer as amiguinhas, deu uma desculpada esfarrapada que estava sendo alva de pragas malignas.

Como resposta, recebeu gargalhas largas e gostosas. As oligoquetas bateram em seu caule e à contaram uma notícia para solucionar o seu problema.

— Vrong Vrong. — Não acreditou na notícia, alguém iria trazer açúcar para a festa e ela sabia muito bem quem seria. — Vrong Vrong. — Recebia notícias desta planta somente por maritacas e papagaio.

Seu tronco bateu forte e suas raízes começaram a chupar uma água para esconder a emoção.

— Vron Vin Vrora. — A jovem árvore despediu-se das amigas e puxou raízes de baixo do solo para pesquisar sobre festas de casamento.

Começou pesquisando uma receita de sucos de uma floresta, depois de uma mata, até ver algumas dicas de uma simples planta dona de mato.

Clicou naquele broto e transferiu as informações que queria. Pagou o seu acesso com uma troca de sementes.

Faltava mais alguns passos para concluir seu preparo à cerimônia. Sua aparência e o presente da noiva.

— Vrong Vrong — perguntou à Mamão o que um ser pequeno gostaria de ter em seu casamento.

—  Vrang Vrang. — O presente perfeito foi dito pela senhora.

A jovem árvore encomendou o objeto na mesma hora que sua mãe falou. Seria uma coisa útil para uma pessoa que tem como trabalho fazer buracos dentro de buracos e mais buracos.

Os preparativos foram preparados na velocidade da luz e, em outra corrida deles, a festa começava em uma floresta alugada.

Os convidados eram diversos: samambaias, coqueiros, palmeiras e ervas-daninhas. Era um dia ensolarado, os ali presente, além de entregarem os presentes, precisavam de algo para refrescar.

A bancada do suco mais doce e azedo que você tomaria na vida chamou à atenção de todos. Nela duas pessoas faziam suco de limonada.

Estava funcionando de uma maneira prática, uma limeira dava seus frutos ao misturador do suco, e ele adocicava a bebida com seu corpo.

— Vrong Vrong — elogiou o rapaz, os limões da jovem árvore realmente eram grandes e nutritivos.

— Vrong Vrong — falou que ele também era grande e grosso, porém doce e xaroposo.

Os dois trocaram esporos e voltaram para a missão, algumas minhocas também vieram experimentar o suco da barraca.

Pediram duas gotas para cada, tomaram com muita facilidade e mostraram um sorriso como agradecimento.

A jovem limeira, enfrentadora de problemas escolares, derramou seiva ao ver seus frutos serem úteis a algo.

Seus espinhos pontiagudos e limões azedos foram equiparados as laranjas da Mamão. Tudo graças aos açúcares de seu novo companheiro.

— Vrong Vrong Vring. — Ela pegou no ombro do rapaz, dando-o um limão.

— Vring Vring. — Fez uma feira de troca e a deu seu caule.

— Vring Vrong. — Para uma cana de açúcar, você é exageradamente doce.

— Vring Vrong. — E você é azeda, do jeito que eu gosto.

Blem blem! — Um toque de sino tocou, e com ele, os noivos vieram tomar a limonada da limoeira e sua cana-de-açúcar.

Provaram uma gota do suco e pediram mais. Nem um mel misturado naquela bebida iria adocicar tanto os seus corações.

O casal perguntou se eram profissionais na fabricação de limonadas, futuramente, seriam mais do que parceiros de negócios.

Agraciados, amados e animados, receberam o presente da jovem. Uma pequena britadeira que fazia Treck Treck.

A jovem árvore chamou o rapaz à um canteiro para convidá-lo para conhecer seu jardim. Os pais da garota iriam adorar saber mais sobre quem fez os limões de sua filha ficarem doce.

O sol estava quente como uma estrela queimando, os pássaros cantavam naquele dia e nada poderia tirar a animação da moça.

Pegou nos galhos da cana e foram depressa para o lar da garota. Nele ocorreria uma troca de esporos tremenda, passaram até óleo de peroba no processo.

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Anos se passaram, uma laranjeira e macieira foram entregues ao solo e uma limeira estava com seus netos em seus vasos.

Os seus descendentes eram fracos e fortes, lindos e horrorosos, espinhosos e fofos, pequenos e grandes, rosas e cactos. Uma mutação bem simples foi o que todos disseram.

Seu novo jardim era maior do que aquele onde morava. Aqueles pássaros e lagartas que não gostavam de seus frutos ficariam com água na boca ao ver a doçura de seu lar.

Algumas de suas netas, pediram ela para contar mais de algumas histórias de planta, mas receberam uma resposta calorosa.

— Querem saber mais sobre a minha vida? — perguntou a vovó.

— Quero, quero! — berraram em uníssono.

— Então me paguem com um beijo. — Deu uma risada maligna. — Mas só amanhã, vou descansar agora.

— A limoeira mais doce do planeta precisa nanar, queridos. — Pegou a velha nos braços e a colocou em seu vaso. — Hora de dormir. Amanhã temos uma empresa de sucos para comprar, fique esperta.

Ufa! Pensando bem meu doce, está na hora de aposentar. — Cochilou docemente em sua cama doce e fechou os olhos de forma doce.

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