Bananas trapalhonas

Rogério acordou pela manhã e colocou as mãos no pescoço e costas, pois estavam doendo devido ao treinamento com um touro no dia anterior.

A cama estava confortável, mas era hora de outra rodada de sua rotina diária. Para iniciá-la, levantou-se lentamente e colocou sua roupa de peão.

Deu passos pela sua casa. Conforme bocejava e ia em direção à cozinha, diversos chifres, medalhas e troféus o chamaram atenção e o forçaram a parar de frente a eles.

Ele abaixou para pegar a maior conquista que poderia ter: o chifre dourado. Aquele era um objeto obtido apenas pelo campeão nacional e, nele, as iniciais de seu nome eram grafadas.

E o corno que Rogério tocava estava escrito: J.P.F.D, nada de R.P.F.D

O pai dele, senhor João Pedro, sempre se orgulhou de seu filho guardar as premiações da família.

Vu-uu-uu!

O jovem assoprou uma poeira da conquista e a guardou na estante. Podia não ter um próprio, mas tudo chega algum dia e, depois do peão passar pelo rodeio regional e estadual, sua chance de ganhar um chifre estava batendo na porta.

— Filho, cheguei — avisou João Pedro, destrancando a porta. — Esses troféus, que são os meus e os seus, tem muitas histórias. Essa estante é maravilhosa.

— Concordo. E dá pra melhorar ela com um outro dourado. — Rogério deu benção ao pai e o abraçou bem forte, pois hoje era um dia especial.

— Preparado pro rodeio? — O pai descarregou uma mochila no chão.

— Sim. Poderemos ir depois do café e de um aquecimento dos manguitos. 

Juntos, entraram na cozinha e de imediato Rogério perguntou o que o pai iria querer. João escolheu um café com rapadura acompanhado de um pão com manteiga.

Sem pestanejar, o filho foi logo preparar o pedido. Precisava dos ingredientes e, como sabia o gosto do familiar, já estavam separados lado a lado em um armário.

Primeiro cortou a rapadura em fatias, em seguida, colocou água no fogão e tacou o doce dentro até derreter. O passo restante era o pó de café adicionado e o pão cortado.

Com toda certeza, se não fosse um peão, poderia abrir uma cafeteria. Porém sua paixão era subir em touros e quebrar costelas no processo. 

João cheirou o café e o mandou para dentro da boca, depois, disse: — Bom, muito bom. 

— Encher o bucho enquanto pode é uma boa, porque o caminho até a cidade vai demorar.

Deviam aproveitar a chance para aquecerem o estômago, por isso, comeram tudo que tinham direito antes de irem até o lado de fora da casa.

Em pé e envoltos de pastagens bem limpas, uma caminhonete os aguardava. 

Rogério sempre gostou daquele automóvel, pois desde que se conhece por gente andava nela com a família. Sempre sonhou em dirigi-la e, com o tempo, conseguiu.

Por mais que não fosse habilidoso com o volante, foi ele que sentou no banco esquerdo do carro e o ligou.

— Um segundo — avisou o pai, que jogava as bagagens na carroceria. — Tudo pronto!

O filho esperou João entrar para arrancar o carro, que agora pararia apenas no Rodeio dos Chifres, local tradicional da disputa nacional.

⊛ ⊛ ⊛

Passar pela entrada da arena não seria uma tarefa fácil, pois ela estava parecendo um formigueiro de pessoas. O evento deste ano, será o mais assistido de todos.

Mas devido a experiência do pai, um caminho pouco conhecido existia e foi sugerido por João. Não tinha motivos para Rogério não aceitar. 

— Filho, a única coisa que te pergunto é: por onde os touros entram? — João tomou dianteira, afastando-se da multidão junto do filho.

A resposta da pergunta feita estava recheada de carretas, que balançavam e tinham vários furos na lataria, entrando por um portão.

O jovem se surpreendeu pela agressividade da entrada desconhecida e também pelo nível de segurança ao redor dela.

Por mais que não duvidasse do pai, achou que seria meio improvável que conseguissem acesso pela entrada de animais — por mais que um deles fosse competidor.

Cutucando as costas do familiar, tentou convencê-lo para que entrassem normalmente e não fizessem nada absurdo, fracasso total.

— Sabe daquela história que você me contou certo dia? — perguntou João. — É impossível dele não ter dó e te dar acesso ao evento como presente.

Um estralo mais forte que um coice de touro surgiu na cabeça de Rogério. Confiante e animado, foi-se embora para perto de um segurança.

— Como posso ajudar, senhor? — O homem, uniformizado, colocou a mão na frente para conter uma possível infiltração. 

— Tem como liberar a passagem pra mim e meu velho? — sugestionou o jovem, apontando para o pai imitando um debilitado.

— Nada de caridade, sinto muito

— É que… Sniff! — Rogério apontou a João. — A minha mãe mandou o meu pai vir cá… 

— Não posso fazer nada quanto a isso, desculpe.

— Ela mandou… o coitadinho se divertir enquanto o encanador consertar a casa do casal, tendeu? — Enxugou as lágrimas e chamou o pai. 

— Acesso liberado. Mais um corno entrando! — avisou o guarda para todos ouvirem.

Jogaram sujo, mas conseguiram entrar de uma vez no rodeio. 

Como eram uma equipe de duas pessoas, o local onde deveriam ir era diferente do comum. Desta forma, ficariam abaixo das arquibancadas e apareceriam ao público apenas quando fossem convocados.

Deviam procurar suas placas com nomes. Passando pelo portão de descargue de animais, por muito esterco e por funcionários, avistaram a cabine dos Pedros.

O trabalho agora era Rogério estar vestido a caráter. Para tal tarefa, abriu sua maleta de figurino e retirou um colete de couro juntamente de um chapéu.

Ele não demorou muito em se vestir. Aquela roupa era de seu pai, que estava orgulhoso de ver o jovem grande e forte.

Tudo no planejamento, agora era aproveitar o espaço de tempo e relembrar as estratégias.

Rogério decidiu revisar sozinho, pois todos os ensinamentos do pai já foram ensinados e estavam incrustados em sua cabeça.

Começou a falar os fundamentos aprendidos: segurar forte e mais forte, agarrar forte e mais forte, prender as mãos cada vez mais forte e acima de tudo tentar não morrer.

Na verdade, a teoria não era tanta coisa, no rodeio nacional contaria muito mais a prática aprendida. Sabendo disso, o jeito era rezar e esperar pela chamada e ela viria em instantes.

— SENHOR ROGÉRIO PEDRO FIGUEIREDO DE DEUS, COMPAREÇA NA ARENA! — berrou o narrador, as caixas de som faziam até mesmo as arquibancadas tremerem.

Em menos de dois minutos, Rogério estava ao lado da grade onde continha o touro. Os dois adversários se olharam no momento e, obviamente, não eram amigos.

Chegou o dia de ganhar o título de campeão nacional. Para conquistá-lo, deveria ficar 20 segundos em cima do touro. 

Nada de moleza em um rodeio, pois só saiam campeões aqueles que realmente davam sua alma na competição.

— Boa sorte! — gritou o pai, acompanhado da arquibancada lotada.

O jovem deu um joinha e subiu na grade. Ele estava acima das costas do touro, que era da cor branca, porém no olhar de Rogério ganhou uma tonalidade vermelha.

— Esse é o pior touro, né? — cochichou um palhaço de rodeio. — Coitado, tá lascado.

Não deu para o peão escutar, mas não precisou daquelas palavras para afirmar que o touro era muito bravo.

Os olhos do animal eram avermelhados, algumas cicatrizes estavam em sua pele e, acima de tudo, fumaças saídas de seu nariz quase faziam a areia torrar.

Todavia, mesmo se estivesse montando em um Cerberus, Rogério nunca iria desistir. Tinha honra e, para honrar a família, pulou em cima do touro.

20 segundos e nada além disso. Qualquer um que já montou em um touro mecânico em gincanas escolares sabia da dificuldade de permanecer esse tempo todo.

Só precisava do portão ser aberto que começaria a festa. Era um aceno do narrador e o maior desafio da vida dos Pedros começaria.

— É um… é dois… — pausou dramaticamente; a arquibancada calada — é três… e JÁ!

Cancela afastada e as pernas do touro soltas. O cronômetro foi ativado e Rogério nunca segurou tanto a corda amarrada ao animal.

Saindo investindo para o meio da arena, o touro chacoalhava e pulava para todos os lados. Encima dele, o peão se balançava rente ao chão.

A força que Rogério colocava era talvez sobre-humana. 

Era jogado para trás e para frente e, a cada passo do touro, suas costas recebiam socos invisíveis. Era muita dor.

Pula para lá, 7 segundos para cá e o peão não soltava a corda. Em todos os momentos, parecia que iria cair, mas sempre retornava ao alto.

O chapéu dele caiu aos 13 segundos e ele mal conseguia manter os olhos focados em algo. Toda hora sua visão ia do chão ao céu.

As patas do animal foram às nuvens aos 16 segundos. Faltava pouco, porém ninguém teria descanso. O touro ativou seu modo satanás e começou a pular em círculos.

Agora o chacoalho que Rogério sentia era como se tivesse dentro de um pneu de trator, descendo o morro mais irregular de todos.

Estava no seu limite e faltavam 2 segundos, só um pouquinho e o chifre dourado seria seu. 

Costelas doloridas, tentando pensar em alguma outra coisa que não fosse o rodeio, o peão soltou a corda e foi para longe.

— Salva o peão! — gritou o narrador.

Palhaços foram correndo a fim de parar o touro e alguns paramédicos foram ver Rogério. Não estava desmaiado, mas todo acabado.

— Eu ganhei, eu ganhei! — Tinha visto os números positivos em um telão. 

João entrou na arena e foi acudir o filho.

— Superou até eu! — O velho reergueu o jovem, contrariando os socorristas. — Esse é o meu peão!

Longe, bem longe, em um altar, estava o chifre dourado, sendo carregado por um funcionário à arena.

— Conseguimos, pai!

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