Vórtices familiares

No celular, a foto do marido. Ele se foi há um tempo e deixou metade do coração de Hilda no limbo, pelo menos foi apenas a metade, pois a outra parte do coração de Hilda estava reservado para o indivíduo no seu interior.

Não era nenhum homúnculo ou fungo cerebral, era um bebê, uma criatura humana criando vida dentro dela.

Mais alguns dias e, pronto, Hilda poderia estar na sacada da casa balangando na rede com seu filho. Na verdade, não, pois muito provavelmente iria direto para o topo do Everest com a criança; era seu gosto pessoal.

Até lá, teria que esperar o Júnior vir ao mundo e torcer para a sua bateria social durar até o fim da festa de aniversário da sua irmã.

Sério, Hilda não queria estar ali por dois motivos simples: dor no quadril e por sua família ser um pouco inconveniente.

— É verdade que seu marido morreu bêbado? — perguntou uma tia sob efeito de 51 drogas diferentes.

— Deixa eu te mostrar uma coisa e você me responde. — Hilda mostrou a tela de bloqueio do celular.

— Meu Deus, que tanquinho!

— Se quiser ter algo do tipo, acho bom parar de usar essas coisas que a senhora usa.

Ué! Seu marido se cuidava e ainda conseguiu bater o coco na cachoeira? Prefiro ficar doidona, barriguda, mas viva.

Hilda queria socar a cara da tia naquele momento. Até fechou sua mão, porém daria um bafafá danado dentro da família.

Alguém sã dentro da casa estava vindo ao seu resgate.

Parecendo um trem descarrilhando, a sua irmã, Verônica, veio derrubando uma tigela de carne de cordeiro e pimenta bem na cara da tia de Hilda.

— Cuidado! — gritou Verônica com uma risada no rosto.

Ploft!

Hilda deu um dash para fora da confusão e conseguiu se deleitar ao ver a sua tia suja. O desespero vindo da pimenta bateu junto de outras substâncias duvidosas.

A futura mãe nem falou nada, apenas deu um papel toalha sujo para a tia e foi para fora da casa com a irmã.

Dentro do local, não havia nada de interessante, então ficar na varanda observando uma paisagem de outono seria uma ideia melhor.

— Obrigada! — agradeceu Hilda.

— A nossa tia que deve agradecer, pois seu antebraço ainda tá maior que meu bíceps mesmo com essa barrigona. Um soco seu e ela ficaria em coma.

— Concordo, mas meu braço ainda ta grande? — Hilda mostrou o bíceps. 

— Para alguém grávida, está. Não tá treinando, né?

— Nem a pau. Quero cuidar do Júnior primeiro.

— E escalando?

— … — Hilda desviou o olhar para uma coruja que a observava entre a escuridão da floresta.

— Sabia. 

— Foi só uma vez em um parque de diversões que fui fazer uma participação.

— Vi muitos vídeos seus por lá. Foi interessante, mas vê se não mata o Jú…

Verônica ficou travada ao falar o nome do filho de Hilda, que, em tese, não tinha um nome ainda. Júnior era apenas um apelido carinhoso que o marido de Hilda deu no início da gravidez dela caso fosse menino.

Ela nunca botaria um nome daquele para a criança, pois riu ao ver a irmã travada.

As duas não faziam ideia de como chamar o bebê que nasceria em breve, então ficaram olhando para as estrelas a fim de pensar em um.

— Ricardo — sugeriu Verônica ao estalar os dedos.

— Muito idoso.

— Enzo!

— Não aguentaria escalar nem o próprio berço. Pode ficar tranquila irmã. Decidirei de última hora. O Rogers também decidiria de última hora.

— Soltaria foguetes ao acontecer isso. Hehe!

— Com toda certeza. — Hilda apoiou seus braços no parapeito da varanda.

— Desculpe pela piada. 

— Não se preocupe com meu estado emocional por agora. Gostei da piada. — Seu rosto estava fechado, mas forçou um sorriso para a irmã. — Temos que soltar foguetes pelos momentos que passamos com ele e por você estar cada vez mais velha, V.

— É verdade. — Verônica bufou. — Já dá para sentir o peso dos 30 chegando.

Aí, aí!  Quer trocar de corpo no momento?

— Estou de boa. Sei muito bem como é estar grávida… por falar nisso. Riquelme, Melissa, Almeida! 

Pelos gritos, três crianças surgiram na sacada. Eram os trigêmeos de Verônica. Um mais parecido com o outro.

— Tragam o presente da titia fazendo favor! — mandou a anfitriã da casa.

Não!!! — falaram em uníssono e levaram um olhar ceifador de volta. — É pra já.

— Presente? Quem é a aniversariante é você. Não gostou do kit de escaladas que te dei e agora quer me humilhar? 

Verônica apenas ignorou a irmã e esperou os filhos voltarem.

Eles ficaram relutantes em vir à varanda, mas uma batida de pé da mãe resolveu o problema e eles mostraram o presente de Hilda.

Orelhas balançaram, um focinho apareceu e um filhote de buldogue foi correndo para o colo da sua dona barriguda. 

Hilda era um ímã de criaturas pequenas. Sem antes mesmo de conhecê-las, era capaz de criar um vínculo doce com elas. 

— Fedorento, feio, nariz escrachado. Titia, não achamos que você gostará dele, que tal deixar ele conosco? — as crianças falaram.

— Sinto muito. Presente não se devolve. Ficarei com ele.

Hilda começou a brincar com o buldogue e soltou um sorriso à irmã.

Nem por um segundo pensou em recusar o presente, pois ter um cachorro era um dos seus desejos desde o início da gravidez.

Só faltava um empurrão para ter um.

— Vou deixar você sozinho com ele por enquanto. Trate de achar um nome para ele antes dos parabéns, tudo bem? — Verônica saiu da varanda, mas parou no processo.

— Que tal deixar os três escolherem? — avisou Hilda.

— Júnior!

Hilda aprovou a ideia e deixou o Júnior descer do colo para brincar com as crianças. Apesar de ter gostado do cachorro, ela estava longe de ser a cuidadora de animais mais animal.

Também teria que resolver pendências com a irmã.

As duas poderiam ficar na varanda batendo papo pelo resto da noite, mas convidados mal esperavam a hora de cantar os parabéns.

Era o momento ideal de irem colocar um fim na festa, então foram para dentro da casa.

— Chegou o momento. Hora do parabéns — gritou Hilda ao bater uma colher na taça e quebrar ela.

Ela apenas soltou um ops e esperou pelo fim da festa ao som de corujas, pois não havia nada além de aguardar a festa acabar a partir daquele momento.

⊛ ⊛ ⊛

A estrada estava escura. Perigosa demais para uma grávida estar sozinha ou mal acompanhada.

Seria um perigo para Hilda. Poderia surgir fantasmas entre as árvores, um lobisomem poderia entrar na frente do seu carro, ou uma lenda diferente poderia acabar com sua vida.

Por sorte ela estava bem acompanhada.

Verônica insistiu em acompanhá-la após cantarem parabéns. Se um arranhão acontecesse à sua irmã, ela viveria com uma dor pelo resto da vida.

Rffff!

Não foi apenas Verônica que insistiu em acompanhar Hilda. Riquelme, Melissa, Almeida choraram para escoltar a tia e o novo membro da família, que latia com as crianças no banco de trás.

Se houvesse multa por brincar no carro, os trigêmeos faliriam a tia. Mesmo sentados e com cinto de segurança, eles conseguiram montar um playground com o Júnior.

Nenhum puxão de orelha seria o bastante para pará-los, então Verônica focou em manter todos seguros no volante e manter sua irmã acordada.

Hilda estava bocejando bastante. Pronta para dormir, mas estava longe de querer deitar.

Se pudesse, ela ficaria a madrugada inteira acordada com a irmã. O motivo era simples: elas não se viam pessoalmente há um tempo.

A casa do parabéns era de Verônica, porém ela não a visitava há anos. Sempre ficava fora do país a trabalho ou por algum convite de palestra.

Por muito tempo, Hilda pensou que ficaria sem ver sua irmã até o final da gravidez. 

— Sempre é bom te ver irmã, mas não precisava passar seu aniversário perto de mim. 

— Discordo. Você está grávida e não tem ninguém para te auxiliar por aqui. 

— Tem sim… — Hilda levou uma encarada da irmã. — Tem não…

Os únicos companheiros ao longo da vida de Hilda além da irmã foram as montanhas e o marido. 

Ninguém estava a esperando em casa, nem sequer notificações. Talvez houvesse apenas comentários positivos dos fãs de suas jornadas; nada além.

No momento, a única pessoa com que Hilda poderia contar era sua irmã e seus sobrinhos para servirem de babá do Júnior.

Ela mal conteve a emoção quando percebeu que contaria com a presença de Verônica, pois ela soltou uma notícia excelente.

— Sei que deixarei o meu marido exausto, mas eu e as crianças vamos ficar algum tempo por aqui, ou seja, te ajudaremos nos primeiros meses de vida do seu filho — falou Verônica.

— Recuso. Isso é muita coisa. Posso te ver todos os dias pela câmera do celular. Sabe disso.

— Beleza então. 

— Calma. Aceito sua presença. 

Hilda sabia que, se a irmã ficasse, Verônica perderia muito no âmbito profissional ou talvez mataria o marido de cansaço ao deixá-lo cuidar dos negócios.

Mas as crianças a tranquilizaram ao avisarem que o pai daria conta do recado e que queriam ver o primo deles logo. 

Ao contrário de sua irmã, Hilda não era de expressar suas emoções por meio do choro, no entanto, dava para ver algumas lágrimas em seu rosto pelo retrovisor do carro.

A presença de Verônica nos primeiros meses do filho dela, era tudo que ela poderia pedir naquele momento além de forças para seguir em frente.

— Obrigada, V — agradeceu Hilda.

— Não tem nada de mais nisso. Você sabe… eu… — Verônica foi interrompida pelas crianças.

— Ô mãe!

— Eu gosto…

— Ô MÃE!

— ESTOU CONVERSANDO COM SUA TIA.

— Para o carro, V. PARA O CARRO. 

— CADÊ O JÚNIOR??? 

Hilda e Verônica se olharam sem entender nada. Uma hora, o filhote de buldogue estava brincando com as crianças, na outra, simplesmente sumiu. 

Se alguém soubesse o que tinha acontecido, com certeza seriam os trigêmeos. As Sherlocks Holmes do banco da frente interrogaram os suspeitos de imediato. 

Talvez tivessem tacado o cachorro pela janela. Acontecia com vasilhas de pipocas e o vento. Com um ser vivo não seria diferente. 

A explicação que eles deram apenas jogou o grupo contra a parede.

— Uma coruja entrou no carro e levou ele embora, mãe! — O suor escorria no rosto dos três.

— A chinela vai cantar se não falarem a verdade — ameaçou Verônica.

— Vamos lá, lindinhos. O que aconteceu com o cachorro? — Hilda soltou uma face tranquilizadora. 

— Não estamos dando uma de Pinóquio. Uma coruja estranha levou ele. É sério.

— Santo amado. — A mãe soltou lágrimas. — Se tiverem feito algo de errado com o bichinho… Deem minha bolsa.

Hilda levantou a sobrancelha ao ver a bolsa da irmã, pois havia muitos pertences dentro dela. Só o peso dela talvez desse para fazer uma rosca alternada.

Conhecendo ela, a futura mãe presumiu que poderia ter um tazer, um revólver, uma avaiana de pau ou até mesmo um quarto filho dentro da bolsa.

Mas ela tirou um objeto mais simples chamado celular e logo começou a mexer nele.

Era de família estar preocupada com os outros, então Hilda viu um aplicativo comum entre seus parentes. Um app de localização de segurança desenvolvido pela Verônica.

Ao entrar nele, apareceram três números semelhantes e outro distante. Clicando sem querer no primeiro deles, apareceu a foto e localização de Melissa.

— Isso que é preocupação — surpreendeu Hilda.

— Errei. Foi mal. Vai sair com 18 anos, não se preocupe. — Verônica clicou no número mais distante. — Pelo chip, o Júnior está… é o quê? 

— Deve ser a internet travando. Não é possível isso.

A localização do Júnior estava funcionando, mas bem mal. A sua foto estava piscando em um mapa, porém a posição dela se alterava diversas vezes.

Uma hora estava próxima. Na outra, distante. As direções eram diversas.

Dúvidas apareceram para Hilda. Respostas também.

Para ela, os gêmeos não mentiram no fato de uma ave ter pegado o filhote de buldogue. Apenas erraram em verem uma coruja.

Talvez uma águia veloz tivesse entrado pela janela e pegado o Júnior. Aconteceu com o gato da infância das irmãs.

— Tem certeza que viram uma coruja ao invés de uma águia? — Hilda duvidou dos sobrinhos.

Os trigêmeos se entreolharam em sincronia e falaram em uma linguagem facial que apenas eles entendem.

— A janela estava fechada e não foi muito bem uma coruja… Era algo peludo parecido com uma coruja. Uma hora o Júnior estava aqui, na outra, essa coruja agarrou ele e sumiram.

— Eles não estão mentindo. — Verônica analisou seus filhos. — Só há uma maneira de descobrir.

A mãe mostrou a interface do celular para todos. A localização do cachorro parou de vez. Não estava muito longe.

Investigariam o que tinha acontecido. Nenhum filhote ficava para trás, era um dilema da família.

De imediato, parecia uma decisão idiota, pois teriam que sair do carro e entrar pela mata a fora. O problema era que Hilda confiava no seu potencial em combate; Verônica também.

A família saiu do carro e correu para o porta-malas. Era o lugar onde a futura mãe escondia seus segredos mais obscuros.

Se existia algo além de montanhas nas aventuras de Hilda, eram seres humanos mal intencionados. Ela sempre estava preparada para confusões.

Ao abrir o porta-malas, equipamentos de escalada deram às caras. Eram a maioria, mas a minoria era o que interessava.

Escondidas no estepe, haviam duas Desert Eagle. Uma era dourada, a outra era de prata. 

Hilda pegou a dourada e a irmã pegou a prata. Enquanto se armavam, as crianças apenas observavam.

— E as nossas?

— Quando tiverem idade suficiente. A mãe de vocês deve ter algo. Né, V? — perguntou Hilda.

Vasculhando a bolsa pesada, a mãe tirou granadas de dentro. Não eram granadas normais. Eram parecidas com bakugans prestes a entrarem no campo de batalha.

Os três sorriram e pegaram as granadas antes mesmo de Verônica deixar. Sabiam manuseá-las bem.

— Hora de resgatar o Júnior — afirmou Hilda, pedindo o celular para a irmã. — Vamos devagar, senão o joelho não aguenta, beleza?

— Ok!

Com a localização do cachorro inalterada, a família estava rezando para poderem resgatar o filhote de buldogue ainda vivo, então saíram o mais rápido que conseguiram do local.

Não estavam longe do Júnior, mas mais más estranhices assolaram a família. 

Eles saíram da estrada e entraram na floresta, que era para ter apenas árvores inteiras, não o que se depararam: árvores caídas por toda parte.

Na frente deles, surgiu um rastro enorme de solo e vegetação destruída. Daria na direção onde o cachorro poderia estar.

Talvez fosse um aviso para as irmãs esquecerem o animal na floresta e procurassem ele em outra oportunidade mais segura. 

— Ainda dá tempo de voltar— questionou Verônica.

— Vamos continuar. Dará uma boa história para contar para o meu filho.

Decididas, seguiram os rastros de longe. Algumas árvores ainda estavam caindo aos poucos, então seria burrice seguir os vestígios de perto.

Quanto mais andavam, mais ficavam perto da localização do filhote do buldogue, o que era óbvio. O que chamou atenção delas foi o Júnior se aproximar delas.

Eles iriam se encontrar um hora ou outra. 

Talvez ele tenha fugido das garras do animal ou criatura que o tenha pegado, mas teriam que ver para descobrirem.

Aproximando-se da localização deles, encontraram um ponto de encontro em destaque.

— Isso sim vale a pena contar para o meu filho — falou Hilda de queixo caído.

De todas as montanhas que escalou, inclusive o Monte Everest, nada a surpreendeu tanto quanto aquilo à sua frente.

Na verdade, surpreenderia qualquer humano ou ser que habitava na terra, pois a família encontrou uma espaçonave.

Estava aberta pela metade por causa da queda, mas era óbvio que se tratava de uma construção de outra civilização.

Poderia ser um segredo governamental? Poderia.

Poderia ser uma alucinação das duas? Pouco improvável.

Poderia ser outra raça que construiu? Com certeza. O motivo estava agarrado ao Júnior.

Em cima da asa da espaçonave, estava um ser parecido com uma coruja humanoide. Era a definição de harpia alienígena: asas ligadas aos braços, pés de ave e o rosto era de coruja.

Fora o receio do desconhecido, não era amedrontadora porque se tratava de um filhote da raça. A coruja era um pouco maior que o filhote de buldogue.

— Eu falei que era uma coruja — proclamaram os trigêmeos.

— Só esqueceram de falar que era um alien — avisou Hilda.

A família ainda estava digerindo a informação. Não sabiam se fugiam, se abraçavam a coruja, se pegavam o cachorro e saiam correndo ou apenas ligavam para a polícia.

Em qualquer opção que pudesse passar pela cabeça da grávida, ela imaginou sendo calada por um tempo por forças governamentais.

Estavam envolvidos no primeiro evento real de vida alienígena na Terra. 

Outro fato também era que queriam o Júnior de volta.

Hilda agarrou sua arma, deixando escondida em uma mão nas costas e aproximou da espaçonave junto da irmã. 

— Você fala, pequenino? — perguntou Hilda. Os dedos tremendo.

— …

A coruja apenas entortou o pescoço em dúvida. Não falava; muito menos entendia a linguagem humana. 

Se a grávida quisesse demonstrar a vontade de resgatar Júnior, teria que rezar para o alien entender um pouco de mímica.

Ela fez 50 movimentos que poderiam xingar qualquer intérprete de LIBRAS e no final a coruja ainda não entendia a sua mensagem.

Aproximou mais ainda e ficou do lado da asa da espaçonave. Caso conseguisse pular como de costume, conseguiria alcançar a parte de cima.

Por mais esforços que ela fizesse, a criatura ainda estava agarrada ao Júnior até que ela simplesmente soltou o cachorro.

O filhote pulou direto nos braços de Hilda, porém não de uma maneira normal. No meio da queda do Júnior — um vórtice azul apareceu para agarrá-lo novamente e a coruja saiu dele.

Todos estavam no chão.

Eles se encararam. Eram olhares de receio, mas, acima de tudo, de curiosidade. 

De um lado, uma humana tentava pensar no que explicava a habilidade de teleporte da coruja, do outro, a coruja tentava ver como ela agiria.

Apenas um lado da moeda poderia relatar suas reais intenções.

A coruja estendeu seus braços com o cachorro para Hilda, porém não deu ele de imediato. Segurou a mão da humana de uma forma delicada e apertou ela.

— Cuidado! — As crianças perceberam a mão da tia sendo apertada.

— Silêncio. — Hilda fechou a boca dos trigêmeos e continuou a olhar para a coruja.

Desta vez, os olhos do alien estavam diferentes: começaram a brilhar e saíram lágrimas da coloração do cristal mais sofrido de ser achado.

A coruja também começou a tremer as penas e novamente ativou seu vórtice. Por um momento ela sumiu, mas voltou rapidamente com um ninho de coruja nas mãos.

Uuh uuh!

Dentro do ninho, uma mãe estava dormindo ao lado dos seus filhotes. 

Aproveitando os pássaros, o alien apontou para a ave maior e ativou seu vórtice para voltar com o ninho.

— Ele perdeu a mãe — disse Hilda confortando o alien ao acariciar a sua cabeça.

— Não acho que tenha sido o extremo da palavra perda. Corre aqui. —Verônica estava perto de um destroço da nave.

Era um destroço bem preocupante quando perceberam do que poderia se tratar: um assento pequeno ao lado de um enorme.

Daria para um elefante sentar sem problemas no assento, porém a preocupação verdadeira estava atrás dele.

Uma jaula parecendo um abajur de lava estava quebrada. Dava para ver um líquido fluorescente ainda dentro dela e, apenas ao se aproximar dele, Hilda começou a ficar sonolenta.

Ela chegou avisar para a irmã não chegar perto, pois poderia ser perigoso. Sequer a coruja se atreveu, então tentou explicar a situação apontando o dedo para um livro jogado no galho de uma árvore.

O alien ativou seu vórtice e pegou o livro do alto. Não era exatamente um livro, pois era apenas um pedaço de vidro, ou material similar, com páginas passáveis igual aos kindles humanos.

Vendo o e-reader alienígena, Hilda não entendia nada que a pequena coruja tentava mostrar. Estava em uma língua alienígena e foi preciso esperar um pouco para entender tudo melhor.

Vídeos começaram a aparecer. Era intuitivo até mesmo para os trigêmeos entenderem a situação, pois se tratava de três passos relacionados à jaula.

Primeiro, tinha um ser parecido com uma amoeba se mexendo dentro dele, depois o líquido que Hilda viu sendo despejado sobre ela e a amoeba dormindo.

— Temos um catarro alienígena por aí e acho que ele capturou a mãe do nosso coleguinha — falou Hilda, empolgando-se. — Então… onde está sua mãe?

Sem nem mesmo entender a fala da humana, a coruja abriu um vórtice bem maior. O vórtice dessa vez não estava azul como de costume, mas vermelho como um pote de ketchup prestes a explodir na cara de alguém.

⊛ ⊛ ⊛

Todos entraram no vórtice, exceto o Júnior que ficou na nave, e a floresta mudou. Havia neve por toda parte, as árvores mudaram para pinheiros e com certeza a família não estava preparada para aquele frio.

A futura mãe rangeu os dentes e estava clamando por um cobertor ou algo do tipo. 

Por sorte, a coruja tirou alguns tecidos de sua nave para dar suporte aos humanos. Eram como uma sauna de bolso.

Aquecidos, dava para verificar o local com maior atenção. 

Neve, pinheiros e uma montanha alta, muito alta. Na verdade, poderia ser considerada a maior de todas as montanhas do planeta Terra.

Era um lugar que Hilda escalou diversas vezes com o marido. Os humanos conhecem a montanha como Monte Everest.

Entretanto a futura mãe não conhecia aquela montanha. Apesar de parecer com o Monte Everest, os elementos delas eram irreais.

Naquela altura, a família devia estar com diversas dificuldades de respirar e talvez tivessem sofrido um choque térmico ao entrar no vórtice vermelho. Os pinheiros sequer sobreviveriam naquele lugar.

Seja lá onde a coruja tenha mandado Hilda, ela não estava no seu mundo de costume. 

Não precisava nem ser cientista para adivinhar que se tratava de uma nova dimensão ou caso parecido, pois, na entrada de uma caverna, estava um homem que levava a metade do coração da futura mãe.

— Rogers? — Hilda desacreditou e ficou imóvel por um momento.

— Impossível. Olha direito e fica com sua arma em mãos, irmã — avisou Verônica. 

A coruja imediatamente interveio e ficou cara a cara com a mulher, sacudindo seus braços e penas. Não deixaria Hilda chegar perto do marido.

Mas não era apenas o homem que chamava atenção da família. Nos braços dele, havia uma criança, um bebê humano com um cobertor conhecido.

Não era nenhum tecido alienígena, pois era feito de lã, uma lã conhecida por Verônica e Hilda. Existia há pouco tempo, cerca de 9 anos, idade dos trigêmeos, que nem sempre foram apenas três.

— Quem é aquele? — perguntaram em uníssono. 

— O irmão de vocês. Acho que vamos ter diversos problemas aqui, irmã. — Verônica apertou sua arma e rangeu os dentes. Deu para ouvir um barulho de quebra.

Enquanto tentavam absorver as informações, as figuras entraram na caverna de trás delas. 

As irmãs queriam seguir eles por um momento, mas o receio tomou conta de seus corpos. Se entrassem dentro do local, poderiam nunca mais voltar.

Poderia ser uma armadilha ou uma situação semelhante.

— Vamos voltar. Está muito perigoso. Coleguinha pode fazer seu portal de volta? — questionou Hilda.

A coruja virou seu pescoço em 180º graus. Não foi como no filme O Exorcista. Era uma forma de esconder a vergonha, já que coçou a cabeça.

Talvez fosse impossível voltar para o mundo normal. 

E, uma vez dentro daquela dimensão, o alien faria de tudo para resgatar sua mãe, então deu passos rumo à caverna e chamou as humanas para segui-lo. 

Como não havia uma saída muito aparente, as irmãs entraram na caverna e se deparam com mais uma confusão mental.

Desta vez, as rochas do local eram madeiras e por toda parte caiam gotas vermelhas. Poderia ser de sangue, de ketchup, mas nem cheiro ou gosto tinham.

Pelo menos as irmãs não sentiam nada; não era o caso dos trigêmeos. Eles estavam congelando de medo.

— Sangue! Pimenta! Sangue! — Esconderam-se atrás de Verônica.

Eles não estavam entendendo a situação. Precisavam de um clarão.

Tlec!

A família ouviu um estalar de dedos e lâmpadas se acenderam, melhorando a visibilidade do local. 

A caverna ganhou destaque e vida, principalmente para uma porta. Algo estava querendo sair de dentro dela. 

Várias batidas em sequência até que ela se abriu. Dela, saíram diversos morcegos, ratos e porcos. 

Hilda não teve tempo para sacar o que acontecia, pois os animais se dispersaram pelo corredor e deram alas a um espetáculo.

Rodas de metal, trilhos mais tortos que as costas da tia dela e assentos ensanguentados mais molhados que ketchup nos bastidores dos filmes.

— Montanha-russa — avisou Hilda, engolindo saliva. Suas mãos foram pegas por Melissa, que estava desesperada.

— Não quero passar por ela! — berraram os trigêmeos. Suavam igual peixe fora d’água.

— Faça tudo que eu disser e não saiam do meu lado. Vamos ter que subir no carrinho. — Verônica conferiu a arma que carregava.

— Eu não quero, eu não quero, eu também não quero.

Poderia ser um teste do ser ou entidade soberana do local, pois, em cima do trilho, afastados, estava o marido de Hilda andando.

A coruja apontou para ele e fez um gesto de agarro ao se abraçar. 

Eram os alvos a serem atingidos, porém não eram eles que estavam encurralados naquele local.

Zzzzzzzz!

Um barulho fino de um microfone se abrindo perturbou até mesmo a coruja.

Hihihi! Entrem no carrinho se quiserem viver e ajudar essa moça do meu lado. — Uma voz distorcida, pouco entendível, mas direta com sua mensagem. — Que os jogos comecem.

Após o recado, o carrinho da montanha-russa andou. Se a família não entrasse nele logo, ficariam para trás.

Da parede ensanguentada, um rosto surgiu. Era o aviso de um fim iminente, também para Hilda pegar a família e participar da brincadeira de mal gosto.

A grávida tremeu um pouco ao perceber o que era. 

Os trigêmeos quase entraram em choque. 

Verônica pegou seu revólver para proteger os filhos.

Demorou para se destacar e, quando terminou de sair da parede, uma morte mexicana flutuava no ar. Era quase uma fantasma. Segurava um violino.

— Mamãe, eu estou com medo — os gêmeos ficaram encostados na parte da porta do carrinho. 

— Não se preocupem. Protegerei vocês. Fiquem espertos com suas granadas também. — Verônica sorriu para as crianças.

— Mete chumbo nela então, mamãe!

As crianças se esconderam debaixo do banco do carrinho junto da coruja, ou seja, ficariam protegidas pela lateral da porta. Acompanhariam a morte mexicana apenas por uma brecha.

Eles presenciaram uma batalha tão emocionante quanto o aniversário deles quando um carrinho de montanha-russa perdeu os freios.

Tic tac, tic tac, o barulho de um relógio tocou e os combatentes agiram: Hilda e Verônica verificando as Desert Eagles e a morte mexicana afinando o violino.

As artimanhas da monstra permaneciam um mistério para a família, porém pressentiram com os ouvidos o futuro iminente.

Zim-zim-zim!

Os dedos da morte mexicana tocaram o instrumento e uma rajada fina de notas foi na direção do carrinho em movimento. Eram visíveis e pareciam efeitos visuais — mas não eram.

As irmãs abaixaram e todos taparam os ouvidos, pois o tiro de notas tinha se chocado no carrinho e deixado um som irritante.

Hora do contra-ataque. 

Hilda se levantou, mirando na adversária que afiava o violino de novo.

Foi uma tremida na perna, uma língua pra fora, um olho fechado e um disparo certeiro na parede ensanguentada. Ela errou feio a morte mexicana.

Ao contrário dos olhos imprecisos da grávida, a inimiga tinha uma visão de águia e acertava todas as ondas de som no carrinho. A proteção lateral era a única coisa que salvava a pele da família.

— Bem que nosso amiguinho poderia estar ajudando — falou Hilda ao dar um tiro certeiro no chapéu da morte mexicana.

— Ele já está ajudando. — Verônica também atingiu o chapéu.

Uma rajada sonora veio bem na direção de Hilda, que desviou por sorte. O problema foi que ela ricocheteou, mas a solução eram os vórtices que a coruja utilizava para sumir com os ricochetes.

Elas não estavam sozinhas na batalha, então partiram para mais tiros.

A experiência da primeira série de disparos não foi boa, porém o segundo seria melhor. 

Hilda atirou e, desta vez, foi bem na barriga da morte mexicana.

Ela vomitou alguma coisa vermelha, com certeza era ketchup, pois a equipe do parque tinha cuidado com o público da montanha-russa.

Ao azar, o ataque não derrubou a mostra, de modo que aumentou sua fúria e a velocidade em que afiava o violino. Uma orquestra começou.

Zim-zim-zim!

Não parava. A moça deslizava seus dedos naquelas cordas geladas como se estivesse tocando uma guitarra. 

A situação ficou ruim. Ela era rápida em seus ataques e em seus preparos. Tinha chegado a um ponto que o carrinho realmente balançou de forma que Hilda sorriu de nervoso.

As irmãs estavam no aperto e até mesmo a coruja estava demonstrando cansaços para abrir seus vórtices. Pelo menos estavam quase ganhando a batalha

Só mais um tiro e aquela morte mexicana possivelmente cairia. Ela estava bamba como uma vareta.

Elas precisavam de uma abertura, mas como iriam consegui-la? 

Os trigêmeos resolveriam o problema. Saíram do canto seguro e acenaram, como suricatos, para a monstra, que atirou. Por sorte, ela errou as crianças, porém deixou os cabelos deles arrepiados.

Depois do susto, eles voltaram para a proteção e não sairiam tão cedo dela. Pelo menos conseguiram uma brecha.

Hilda apertou o gatilho, acertando a cabeça da morte mexicana. Foi um HS de qualidade.

Finalmente ela caiu pra baixo, um baixo tão baixo que qualquer ser vivo do mais baixo nível cairia e ficaria pra sempre com cabeça baixa.

Hihihi! — O riso frouxo voltou. 

O trilho energizou e o carrinho se movimentou com maior velocidade. 

Os últimos minutos foram armazenados com sucesso no meu HD e os próximos momentos rodariam na cabeça deles como um SSD.

Ao fim do trilho, havia uma plataforma de descida com outra porta, que guardava uma varanda como a da casa de Verônica.

Rogers e o bebê estavam balançando em uma cadeira de velho.

Do lado deles, estava uma amoeba igual a do kindle alienígena e uma cadeira gigante virada de costas. Sentada, estava uma versão maior da pequena coruja.

De imediato, não dava para saber se a coruja grande estava bem, pois a figura estava curvada e aparentemente com bastante sono.

A única coisa que dava para saber era que não se tratava de uma mãe coruja, mas de um pai coruja. O ser parecia uma geladeira brastemp de duas portas de tantos músculos e não tinha características femininas.

— Olá! — A amoeba começou a se mover para perto da família.

Sem mesmo nenhum aviso, as irmãs atiraram no alienígena. Os disparos apenas passaram reto dentro dela.

Era como atirar em um rio: caso não passasse nenhum peixe azarado durante o disparo, as balas apenas parariam em algum lugar aleatório.

— Já vou avisando que suas armas humanas provavelmente não funcionarão contra mim e acho bom vocês cooperarem comigo — a voz da amoeba saia de todos os lados. Talvez houvesse caixas de som por perto. 

— Queremos apenas a coruja de volta — avisou Hilda, guardando a Desert Eagle

— A que capturei pode levar embora se quiserem. Agora, a passagem de volta pro mundo de vocês tem um preço e será essa pequena coruja do seu lado. — Apontou do jeito que conseguiu.

— Sem chances — Hilda se colocou na frente do pequeno alien.

— Bom… Apesar de querer essa coruja para entrar no corpo dela, controlar a civilização dela e tals, também não quero capturar ela com força. Ao contrário da raça imunda que matou a minha por inteira, não sou um monstro. Reconhece esses dois do meu lado?

— Sim. Conhecemos eles, mas felizmente estão em um lugar melhor. São apenas ilusões.

— Não necessariamente, pois, assim, apenas se quiserem ter uma nova vida, eu consigo reviver eles caso queiram. Apenas me deem a coruja que eu deleto suas memórias, vocês vivem novamente com esses humanos e sucesso.

— Você consegue mesmo? — Verônica entrou na conversa.

— Irmã… — Hilda olhou séria.

— Consigo sim. — A amoeba estava estática. — Todo dia vocês pensam em terem essas vidas de volta ou pelo menos fazem uma simulação de como seria se tivessem vivos. Eu consigo fazer os sonhos se tornarem reais.

— De fato, eu sinto que poderia ser quatro vezes mais felizes se tivesse esse bebê junto comigo. É uma coisa que me atormenta todos os dias, assim como a morte de Rogers para minha irmã. Porém não somos deusas para reviver alguém. Sinto muito, mas quem vai ter que reviver é você! — Verônica deu passos ao lado.

— Mandem esse alien de volta ao buraco negro que ele saiu, crianças! — Hilda apontou para a amoeba.

Os trigêmeos tacaram as suas granadas que carregavam desde sempre e uma explosão tomou conta da varanda. 

Formou-se três silhuetas de dragões no ar, mas apenas momentaneamente. Logo em seguida, perto da amoeba, tudo foi sugado para dentro das silhuetas.

A amoeba foi dissolvida pela boca dos dragões e, depois de alguns segundos, as granadas voltaram da forma original.

Os farsantes de Rogers e do bebê apenas desapareceram como poeira em um dia de ventos fortes.

— Capturamos ele — comemoraram os trigêmeos com a pequena coruja.

— As granadas que dei eram diferentes… — Verônica ficou com dúvidas.

— Não acho que apenas a amoeba tenha controle sob esse lugar. Só somos um pouco sem imaginação, irmã — Hilda abraçou a irmã.

— Hora de acordar o pai da coruja. Fiquem com o nosso amiguinho, filhos.

As irmãs foram correndo para perto do alienígena.

Estava sem marcas ou qualquer sinais de ter sofrido tortura. Só estava um pouco desidratado aparentemente, mas havia uma garantia viva que não estava sem água no corpo.

Quando Hilda se aproximou da coruja, ela abriu os olhos, as mesmas cores da amoeba, e deu uma investida para dentro dela, literalmente. A figura gigante passou pelo corpo da grávida como um fantasma mal intencionado e ela caiu de joelhos.

— Meu… filho… — Hilda colocou a mão na barriga antes de cair no chão.

Seu filho não estava mais dentro dela, pois o bebê estava nos braços da coruja grande.

— Hoje em dia não dá para fazer nada na boa vontade. Ter trabalhado como parteiro milênios atrás até que serviu bem hoje. Era crucial para a sobrevivência da minha raça controlar outros seres, sabia? — Ele se agachou perto do corpo de Hilda.

— O que você… fez? — Verônica se desesperou.

A irmã de Hilda atirou diversas vezes na criatura. Os tiros apenas eram refletidos pela pele resistente da coruja.

— Sabe de uma coisa? Esse corpo grande até que é bom, mas é uma pena que esses idiotas perdem os poderes quando crescem. Preciso mesmo é deles pequenos. Vórtices dimensionais são uma belezura que você nem imagina humana.

— Não importa. Traz ela de volta. Traz ela de volta — ameaçou Verônica, protegendo seus filhos e o corpo da irmã.

— Eu realmente poderia, ainda mais com esse corpo, mas tenho outros planos. O que acha de eu controlar o planeta Terra e usar os poderes da coruja para controlar o universo? Seu sobrinho irá ser útil nesse caso. — Ele brincava com o bebê no colo.

Enfurecida, como uma tigresa protegendo seus filhotes, Verônica pegou a cadeira onde Rogers se sentava e partiu para cima do alien.

Chegou a dar uma cadeirada no joelho da coruja, mas a cadeira foi quem sofreu o impacto. 

Nada poderia ferir a coruja facilmente e ela poderia machucar todos com tranquilidade.

A amoeba levantou seu braço a fim de dar um golpe fatal em Verônica.

Com o tamanho do antebraço da coruja, não sobraria nem pescoço da humana, que apenas fechou os olhos para amenizar a dor.

Felizmente deu tempo de abrir eles novamente por causa da coruja aliada da família.

O pequeno alien estava chorando e se culpando pelo que aconteceu a Hilda, mas ainda sim ativou seus poderes para proteger Verônica.

Era um outro poder. Nada de vórtices azuis ou vermelhos, apenas a velha e boa telecinese para parar o braço da amoeba.

— Idiotinha! — Reclamou a coruja grande.

Suas reclamações de nada adiantariam, pois ele estava lidando com seres consumidos pela revolta e prontos para acabar com ela.

Abrindo seus olhos o máximo possível, uma luz azul saiu das pupilas da pequena coruja. 

A iluminação estava fazendo efeito sob a amoeba. Conforme a luz aumentava, ela se contorcia e gritava de dor até um ponto que não aguentava mais.

De uma vez, a amoeba se desgrudou do corpo da coruja grande e caiu no chão da varanda. 

— Não, por favor não — implorava ao rastejar pelo chão.

— É o seu fim, catarro de alien! — Os trigêmeos gritaram e tacaram mais granadas.

Em uma última tentativa, a amoeba se expandiu igual um paraquedas, entretanto foi vestir paletó de madeira mais rápido do que poderia pensar.

As granadas não deram conta dela de início e precisaram de uma força extra para funcionar.

O pai coruja finalmente apareceu e tacou a cadeira, onde se sentava, na cabeça da amoeba. Forçou ela para dentro das granadas.

— Demos um fim nela, — falou o pai coruja — mas acho que não vou durar para tirar vocês daqui.

Ele estava parecendo uma geladeira brastemp duas portas no começo. Agora, ele estava se definhando aos poucos e ficando cada vez mais magro.

Estendendo as penas, o pai coruja abraçou seu filho e olhou para ele. Os dois começaram a chorar, pois sabiam o que aconteceria em alguns minutos.

— Humana, antes que meu sistema biológico de tradução universal vá embora e eu também, pedirei para que sua irmã cuide do meu filho. — A voz do pai coruja estava cada vez mais instável.

— Minha irmã… se foi. — Verônica estava perto do corpo de Hilda.

— Sim, mas farei uma troca: minha vida que vai acabar daqui alguns minutos pela dela. Nós não perdemos todos os poderes depois de crescer. Peço apenas novamente para ela cuidar do meu filho. — Ele deu o bebê que estava em seus braços para Verônica.

O pai coruja se ajoelhou perto de Hilda. 

Dava para perceber que ele estava se definhando aos poucos. Qualquer diurético ou manobra de desidratação seria capaz de desidratá-lo tanto quanto os poderes da amoeba.

Seja lá o que ele queria fazer, ele teria que fazer rápido, então rapidamente ativou seus poderes. 

Da mesma forma do filho, seus olhos ficaram azuis e uma luz azul foi solta para todos os lados. Foi uma granada de luz com alcance assustador.

Quando o efeito da flashbang passou, o pai coruja não estava mais naquela varanda.

— Tomará que tenha funcionado. Irmã, acorda. — Verônica balançou Hilda como uma boneca de pano.

— Oi, V… 

— Titia! — As crianças comemoraram.

— Olá. Conseguimos destruir a amoeba? — perguntou erguendo seu corpo, que estava leve como de costume.

Uhum! E acho que você sofreu um parto anormal. — Verônica apresentou o novo membro da família.

A nova mãe pegou o filho e soltou um sorriso que transcendia qualquer dimensão existente. Foi um sentimento que nunca antes sentiu.

Apenas agradeceu por ter aquela criança. Seus tempos com o marido, as aventuras que passou no dia, ficou extremamente grata por ter passado por essas situações para poder abraçar seu filho.

O recém nascido tinha o rosto do pai e foi cercado pelo aconchego familiar que estava a sua volta.

Ninguém conseguiu conter as emoções. Todos caíram em lágrimas e se abraçaram juntos.

— Um nome, irmã. Um nome. — Verônica ajudou sua irmã a se levantar.

— Gustav. 

— Gustavo. Gostei — falaram os trigêmeos.

— Gustav! É um nome que nosso novo amiguinho também vai gostar. — Com a pouca força que restava, a mãe caminhou até a coruja.

O alien ainda estava se despedindo do seu pai, fazendo uma oração com seus penas. Sem dúvidas estava abalado e cabisbaixo.

Sofria por uma dor que talvez nunca cicatrize. Talvez apenas melhore com ajuda de pessoas certas.

Para tentar amenizar a situação, Hilda ficou ao lado da coruja e se juntou à oração.

Rezaram para que a alma do pai coruja tivesse ido para a melhor dimensão possível e, acima de tudo, agradecer pela oportunidade de seguirem em frente deixada pelo ser.

Após um tempo, Hilda mostrou Gustav para a coruja e demonstrou sua vontade de cuidar do pequeno por tempo indeterminado.

— Você deve ter um nome, mas acho que teremos que aprender juntos como falar ele. — Ela reconfortou a coruja com um abraço.

— Vamos ter tempo para isso, irmã, mas o que acha de sairmos deste lugar e voltar para sua casa? — questionou Verônica que recolhia as granadas contendo a amoeba. 

— Eu acho bom. Vai ser difícil explicar tudo isso, mas em casa pensamos em algo. Tem um filhote de buldogue nos esperando também. — Hilda sorriu para a coruja.

Sem o catarro alienígena em cena, não haviam bloqueios para saírem da dimensão em que estavam, então a coruja abriu outro vórtice vermelho.

Desta vez, a coloração parecia com a de um coração vivo, amoroso e preenchido por Gustav e uma coruja alienígena que vai render belíssimos papéis de parede do celular. 

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